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viernes, 26 de julio de 2013

"Clara não chora... Clara feliz... Mamãe contente"

Tem uma cena na piscina que se repete cada dia deste meu verão espanhol. Uma cena que é uma tortura. Para mim, com certeza, e para cada pessoa que a contempla (quero pensar), mas principalmente para Clara, a menina que a protagoniza. E para os pais dela? Acredito que também. Não deve ser agradavel, com certeza, o que me faz entender menos ainda o que lhes leva a fazer uma coisa assim.

Deve ter dois anos, é menudinha, igual á gêmea dela. Cada tarde aparecem na piscina quando o sol já não bate, com o seu bonê, maiô e as crocs. Quietinhas, calmas. Nunca ouvi a voz delas assim, desde os 20 metros de distância de onde eu as vejo. Clara sempre da mão do pai, a irmã da mão da mãe. Se o pai não está, é Clara quem vai da mão da mãe, pois nesse caso ela vai chorando o caminho inteiro, caminho ao tormento diário.

É como uma rotina. Chegam, sem brincadeiras, sem improvisações, sem correr, pular ou reclamar. Chegam, tiram a roupa, colocam as boias nas meninas e entram na água. Como um proceso mecánico. Clara às vezes chora aos berros, outras só chorasmunga, como se tivesse perdido a força, ou se ela não visse mais o sentido de chorar para conseguir alguma coisa. Chora resignada. Chora por chorar. A irmã entra na água feliz, curte muito. Clara não. ç

Se é a mãe sozinha quem as leva, ela entra primeiro e pega a Clara no colo. Clara chora, chora como quem sabe que não adianta, mas que mesmo assim precisa pôr o estrés para fora. Choro que não pede nada, porque sabe que não adianta. Choro lánguido, choro lamento. Choro que não acaba. Choro que se crava no coração de quem o ouve.

A mãe, abraçando a filha dentro da água, mas completamente sorda ao terror dela, repete coisas como "Clara não chora... não chora... Clara feliz... Clara gostando... Mamãe está contente... Clara não chora...". Se a menina tem o azar de estar perto de outra criança que não chora, a mãe diz: "Olha... a fulaninha não chora... a fulaninha gosta... Clara gosta... Clara feliz... Mamãe está contente...".

E eu só consigo pensar no que isso significará para a Clarinha. Porque... "Como assim? Como que "Clara não chora"? Acaso ela não está me ouvindo? Como que "Clara gostando"? De onde ela tirou que estou gostando? Como posso lhe fazer entender que não gosto, que não quero isto, que tenho pavor deste momento a cada dia? Do que ela precisa para entender? Como que "mamãe está contente"? Como a minha mãe pode estar contente com o meu sofrimento diario, que ela provoca, ou ela não evita, e ela ignora?".

Como o tempo que elas ficam dentro da água é muito, a mãe deixa de falar e fica cantarolando a mesma canção uma e outra vez, como ninando ela. Ignorando por completo o choro constante da filha, como uma chuva insistente, de um dia inteiro. Imaginando uma filha que desfruta da água nas férias do verão? Enquanto isso, a Clara chora e chora. Às vezes berra, outras baixa a voz para berrar de novo... Mas ela não para de chorar, taladrando os ouvidos e o coração dos que, como eu e os meus filhos, sim a escutamos, alto e claro.

Se está o pai, ele abraça forte a menina e entra na piscina com ela abraçada. Nesse caso ela não chora, ou chora pouco, mas passa o longo tempo de piscina (pelo menos 20 minutos) abraçada a ele, resignada é a palavra. Não gosta, mas aceita, espera o momento em que finalmente acabar, aferrada ao colo do pai, apoiada a cabecinha, o rosto triste, no ombro dele. Mas sempre tem uma hora em que a mãe deixa a irmã e pede para ela pegar a Clara, que então berra forte, mas sem opôr resistência, sabendo que de nada adianta. E só pára quando a mãe decide que já ficou com ela suficiente, e a devolve para o pai.

Eu fico imaginando o que as férias significam para esta família. Fico imaginando o conceito de "desfrutar do tempo para as filhas" que este casal tem. Fico imaginando como serão as noites de esta menina. E fico imaginando como é que a Clara passa o dia, com a angustia de saber que vai chegar o momento do tormento diario, sem falta. Fico imaginando o que estes episódios vão significar para ela o resto da vida. Fico me perguntando o que a irmã gêmea sente ou pensa por ver a irmã sofrendo assim. Fico me perguntando por que? Por que? Por que obrigar a menina a fazer diariamente uma coisa que não é necessária em absoluto para ela (passar cada dia 20 minutos dentro da água gelada, de bóia, enquanto chora e ouve a mãe cantarolar e ignorar ou negar o que realmente está acontecendo)? Por que passar por isso? Por que fazê-la sofrer assim todos os dias do verão? Por que me fazer sofrer a mim também? A mim e a todas as outras pessoas que observam angustiadas?

E só penso no alívio que vai significar para esta menina a volta a escola, o fim das férias, o fim do tormento diário. Ou não... Porque daí vai lhe tocar encarar a separação dos pais, talvez também da irmã (essa política das escolas de separar sim ou sim aos gêmeos!), com a escasa empatia que os pais demonstram ter. Com a escasa segurança que a Clara deve sentir, não contando com a compreensão e a presença emocional dos pais nos momentos em que mais necessários eles são.

Elena de Regoyos para MamaÉ
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